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Biomarcadores: O que são e por que são importantes na medicina moderna

Biomarcadores: O que são e por que são importantes na medicina moderna

Os biomarcadores têm ganhado destaque na medicina por permitirem compreender melhor as doenças e personalizar tratamentos. Mas o que exatamente é um biomarcador? De forma simples, um biomarcador é uma característica biológica mensurável que indica algum processo no organismo – seja um processo normal, uma condição patológica ou a resposta a um tratamento. Isso significa que biomarcadores podem ser encontrados em diversas formas, como moléculas (por exemplo, proteínas ou genes), células em exame microscópico, imagens de exames (como uma lesão vista em radiografia) ou sinais fisiológicos (como pressão arterial). Diferentemente dos sintomas que o paciente sente, os biomarcadores são medidas objetivas e quantificáveis obtidas por métodos laboratoriais ou de imagem.

Biomarcadores en la sangre de pacientes con Covid-19 que pueden predecir  cuán grave será la enfermedad - MEGALABS %

Fonte: Megalabs Global.

Tipos de biomarcadores

Assim como existem diferentes sinais vitais e exames para avaliar a saúde, os biomarcadores se dividem em várias categorias, cada uma com uma função específica:

  • Biomarcadores de suscetibilidade/risco: indicam a predisposição de um indivíduo a desenvolver uma doença no futuro. Por exemplo, certas variações genéticas hereditárias podem sinalizar maior risco de câncer ou outras doenças antes mesmo de quaisquer sintomas aparecerem. Um caso clássico é a mutação nos genes BRCA1/2, que eleva significativamente o risco de câncer de mama e ovário em mulheres – essa mutação funciona como um biomarcador de risco que justifica acompanhamento preventivo intensificado.

  • Biomarcadores diagnósticos: ajudam a detectar ou confirmar a presença de uma doença. São muito usados para diagnosticar precocemente condições específicas. Um exemplo é o antígeno prostático específico (PSA), uma proteína cujo nível no sangue se eleva em homens com câncer de próstata. Médicos utilizam o PSA como um indicador diagnóstico (embora não perfeito) para rastrear e auxiliar no diagnóstico desse câncer?. Outro exemplo é a proteína C-reativa (PCR), marcadora de inflamação no corpo – níveis elevados de PCR podem indicar doenças inflamatórias como artrite reumatoide ou lúpus?.

  • Biomarcadores de monitoramento: são medidos repetidamente ao longo do tempo para acompanhar a evolução de uma doença ou os efeitos do tratamento. Por exemplo, em pessoas com diabetes, a dosagem periódica de hemoglobina glicada (HbA1c) serve para monitorar o controle de longo prazo da glicemia; já em pacientes com insuficiência cardíaca, o peptídeo natriurético cerebral (BNP) no sangue é acompanhado para avaliar a gravidade da condição e a resposta às terapias.

  • Biomarcadores prognósticos: oferecem informações sobre o prognóstico ou desfecho provável de uma doença em um paciente que já a possui. Em outras palavras, ajudam a prever como será a evolução da doença independentemente do tratamento. Por exemplo, em certos cânceres o nível de expressão de determinadas proteínas pode sugerir se o tumor tende a ser mais agressivo ou se o paciente terá uma sobrevida mais curta. No câncer de mama, a porcentagem de células tumorais positivas para a proteína Ki-67 é um biomarcador prognóstico – tumores com Ki-67 muito elevado tendem a ter comportamento mais agressivo e pior prognóstico.

  • Biomarcadores preditivos: diferentemente dos prognósticos, os biomarcadores preditivos indicam a provável resposta a uma terapia específica. São fundamentais na medicina personalizada, pois informam se um paciente provavelmente responderá bem ou não a determinado medicamento. Por exemplo, em câncer de mama, a superexpressão da proteína HER2 na célula tumoral é um biomarcador preditivo que indica grande chance de benefício com terapias alvo anti-HER2 (como o trastuzumabe). Ou seja, antes mesmo de iniciar o tratamento, o médico consegue prever se aquele remédio específico tem boa chance de funcionar, com base no biomarcador.

  • Biomarcadores farmacodinâmicos/de resposta: medem efeitos biológicos que ocorrem em resposta a um fármaco. Muitas vezes são utilizados em ensaios clínicos para verificar se um novo medicamento está exercendo alguma atividade no organismo. Por exemplo, numa pessoa em quimioterapia, a redução do tamanho de um tumor em exames de imagem pode servir de biomarcador de resposta ao tratamento. Da mesma forma, a diminuição do colesterol LDL após uso de estatinas ou a queda da pressão arterial após um anti-hipertensivo são biomarcadores farmacodinâmicos indicando que o fármaco está fazendo efeito?.

  • Biomarcadores de segurança: indicam a presença ou potencial de toxicidade resultante de uma terapia ou exposição. São essenciais para monitorar efeitos colaterais de medicamentos. Por exemplo, testes de função hepática (dosagem de enzimas do fígado no sangue) atuam como biomarcadores de segurança para identificar precocemente lesão hepática causada por algum remédio. Já a creatinina sérica e a taxa de filtração renal podem funcionar como biomarcadores de segurança para detectar toxicidade nos rins durante um tratamento?.

Vale notar que um mesmo biomarcador pode, em contextos diferentes, exercer papeis distintos. Por exemplo, o PSA foi citado como biomarcador diagnóstico, mas também é usado no monitoramento da resposta ao tratamento do câncer de próstata; a PCR é um biomarcador de inflamação que pode auxiliar no diagnóstico e também no monitoramento de diversas doenças inflamatórias. O importante é que, em todos os casos, os biomarcadores fornecem informações objetivas que auxiliam o médico na tomada de decisão.

Neurolife explica: o que são biomarcadores? – Neurolife Análise do Líquor

Fonte: NeuroLife.

Como os biomarcadores são usados na prática médica?

Na rotina médica, os biomarcadores estão por toda parte – muitos sem nem nos darmos conta. Exames de sangue comuns, como glicemia, colesterol e hormônios da tireoide, nada mais são do que biomarcadores informando sobre o metabolismo, risco cardiovascular ou função glandular. Esses indicadores ajudam em diagnóstico precoce, prevenção de doenças e acompanhamento de tratamentos. Por exemplo, a dosagem de glicose e hemoglobina glicada em indivíduos assintomáticos pode diagnosticar precocemente o diabetes ou estados pré-diabéticos, permitindo intervir antes que complicações ocorram. Da mesma forma, níveis elevados de colesterol LDL são um biomarcador que sinaliza maior risco de doenças cardíacas, guiando mudanças de estilo de vida e uso de medicamentos para prevenção?.

Outro uso crucial é identificar alvos para novos medicamentos e avaliar a resposta às terapias existentes. Em pacientes com infarto do miocárdio, por exemplo, a dosagem de troponina cardíaca no sangue é fundamental para confirmar o diagnóstico (troponina elevada indica lesão do músculo cardíaco)?. Já no acompanhamento, o BNP mencionado antes é medido periodicamente em cardiopatas para decidir ajustes no tratamento da insuficiência cardíaca?. No contexto de doenças autoimunes, a presença de autoanticorpos específicos no sangue funciona tanto como diagnóstico quanto guia terapêutico – a detecção do fator reumatoide ou de anticorpos anti-CCP (peptídeo citrulinado cíclico) reforça o diagnóstico de artrite reumatoide e até sugere que essa doença pode ser mais agressiva se não tratada adequadamente?.

Resumindo, na prática clínica diária os biomarcadores ajudam o médico a tomar decisões informadas: confirmar ou descartar doenças, estratificar gravidade, escolher o melhor tratamento e acompanhar se este está funcionando. Isso tudo de maneira menos invasiva do que procedimentos cirúrgicos ou biópsias extensas, já que muitos biomarcadores são medidos em fluidos corporais (sangue, urina, líquor) ou em exames de imagem, tornando a medicina mais precisa e proativa.

Biomarcadores na medicina personalizada e em ensaios clínicos

A ideia de medicina personalizada (ou medicina de precisão) é ajustar o tratamento de acordo com as características individuais de cada paciente – e é aqui que os biomarcadores brilham. Eles permitem estratificar pacientes em subgrupos mais homogêneos, de acordo com marcadores biológicos, para escolher a terapia mais adequada para cada perfil. Por exemplo, nem todo câncer de pulmão avançado é igual: pacientes cujo tumor tem mutação ativadora no gene EGFR respondem muito bem a certos medicamentos alvo (inibidores de EGFR), enquanto pacientes sem essa mutação não se beneficiam da mesma forma. Assim, testar a mutação EGFR no tumor tornou-se um passo crítico – é um biomarcador que determina qual tratamento o oncologista irá prescrever para aquele paciente. O mesmo vale para inúmeros cenários em oncologia e outras áreas: de testar HER2 no câncer de mama (para decidir uso de trastuzumabe) a verificar mutações como BRAF em melanoma (para uso de terapias alvo como vemurafenibe)?. Esses são exemplos de biomarcadores guiando escolhas terapêuticas individuais, aumentando as chances de sucesso e evitando efeitos colaterais desnecessários em quem provavelmente não irá se beneficiar de certa droga.

Nos ensaios clínicos, que testam novos medicamentos, os biomarcadores também desempenham um papel transformador. Pesquisadores frequentemente usam biomarcadores para selecionar os participantes dos estudos – incluindo preferencialmente aqueles mais propensos a responder ao tratamento experimental. Essa estratégia de enriquecimento do ensaio com pacientes “mais adequados” aumenta a eficiência em demonstrar se o medicamento funciona. Os números ilustram bem essa tendência: em 2000, apenas cerca de 15% dos ensaios clínicos oncológicos usavam algum biomarcador para seleção de pacientes; já em 2018, mais da metade (55%) dos estudos clínicos em câncer incorporavam biomarcadores em seu desenho. Essa mudança reflete a busca por resultados mais rápidos e confiáveis – ao testar um novo fármaco nas pessoas certas, as chances de sucesso aumentam significativamente.

De fato, estudos mostram que drogas desenvolvidas com auxílio de biomarcadores têm muito mais probabilidade de serem aprovadas. Um levantamento na área de oncologia indicou que medicamentos testados em ensaios direcionados por biomarcadores tiveram até cinco vezes mais chance de obter aprovação regulatória em comparação a medicamentos testados de forma tradicional, sem segmentação por biomarcadores. Identificar respondedores vs. não-respondedores antes ou durante o ensaio clínico traz benefícios claros: pacientes adequados recebem tratamentos promissores mais cedo, enquanto se evita expor pacientes improváveis de responder a efeitos colaterais de um fármaco ineficaz?. Como resultado, os novos medicamentos que chegam ao mercado tendem a ser mais seguros e eficazes, pois já foram “lapidados” com ajuda de biomarcadores ao longo de seu desenvolvimento.

Além disso, os biomarcadores podem servir como desfechos substitutos em pesquisas. Por exemplo, em vez de aguardar anos para ver se um medicamento prolonga a vida de pacientes com câncer, os pesquisadores podem usar a redução do tumor medido em exames ou uma mudança em algum nível laboratorial como indicador preliminar de eficácia. Se esse biomarcador correlaciona-se bem com melhora clínica futura, ele pode agilizar aprovações iniciais de tratamentos, beneficiando pacientes mais cedo. Obviamente, esses biomarcadores substitutos precisam ser validados, mas agências regulatórias como o FDA já possuem programas formais para qualificar biomarcadores para uso em desenvolvimento de medicamentos?.

Em resumo, na era da medicina personalizada, os biomarcadores são fundamentais tanto no cuidado individual (acertando o remédio certo para a pessoa certa) quanto no avanço da ciência (tornando os ensaios clínicos mais rápidos, baratos e confiáveis, e aumentando o sucesso no desenvolvimento de novas terapias).

Estudo identifica biomarcadores da doença hepática não-alcoólica

Fonte: Nutritotal PRO.

Exemplos de biomarcadores em doenças específicas

Vamos ver agora alguns exemplos concretos de biomarcadores em doenças importantes, para ilustrar melhor esses conceitos teóricos:

  • Doença de Alzheimer: Uma condição neurodegenerativa complexa como o Alzheimer se beneficia muito de biomarcadores para diagnóstico e pesquisa. Os principais biomarcadores utilizados são proteínas relacionadas às lesões cerebrais típicas da doença – em especial as proteínas beta-amiloide e tau. Em pacientes com Alzheimer, é comum encontrar níveis anormais dessas proteínas no líquido cefalorraquidiano (LCR): a beta-amiloide 42 diminui (por estar se depositando em placas no cérebro) enquanto a tau total e tau fosforilada aumentam (refletindo dano e “emaranhados” neurofibrilares nos neurônios). Esse conjunto de três biomarcadores no líquor (Aβ42, tau total e tau fosfo) tem alta acurácia diagnóstica para identificar Alzheimer mesmo em fases precoces?. Além disso, exames de imagem PET especializados conseguem visualizar depósitos de amiloide e tau no cérebro vivo, servindo também como biomarcadores diagnósticos e de monitoramento da progressão. No campo dos fatores de risco genéticos, o alelo APOE ε4 do gene apolipoproteína E destaca-se: carregar essa variação genética é o principal fator de risco hereditário para Alzheimer de início tardio, associado a maior acúmulo de amiloide e aparecimento mais precoce dos sintomas?. Em suma, combinar biomarcadores proteicos (amiloide/tau) e genéticos (APOE ε4) permite identificar quem está em risco e quem já apresenta as alterações iniciais da doença, possibilitando intervenções antecipadas e o desenvolvimento de terapias que visem essas alterações específicas.

  • Artrite reumatoide: Na artrite reumatoide (AR) – doença autoimune que acomete as articulações – os biomarcadores também são amplamente empregados. Dois dos mais conhecidos são os autoanticorpos detectados no sangue: o fator reumatoide (FR) e os anticorpos anti-CCP (contra peptídeos citrulinados cíclicos). Cerca de 70–80% dos pacientes com AR apresentam FR e/ou anti-CCP positivos, o que auxilia muito no diagnóstico (especialmente o anti-CCP, que é bastante específico da AR)?. Esses autoanticorpos podem inclusive ter valor prognóstico – títulos elevados muitas vezes indicam formas mais agressivas da doença, com maior risco de danos articulares ao longo do tempo?. Outro biomarcador relevante na artrite reumatoide é a já citada proteína C-reativa (PCR), assim como a velocidade de hemossedimentação (VHS); ambos refletem o grau de inflamação sistêmica. Na AR em atividade, os níveis de PCR costumam estar altos, e sua quantificação periódica ajuda a monitorar a atividade da doença e a resposta ao tratamento – espera-se, por exemplo, que um medicamento anti-inflamatório ou imunossupressor bem-sucedido reduza a PCR de um paciente ao normal. Em resumo, combinando biomarcadores imunológicos (autoanticorpos) para diagnóstico e biomarcadores inflamatórios (PCR/VHS) para monitoramento, os reumatologistas conseguem diagnosticar precocemente a artrite reumatoide e acompanhar se o tratamento está efetivamente controlando a inflamação.

  • Câncer (vários tipos): A oncologia talvez seja a área da medicina com maior abundância de biomarcadores identificados, dado o caráter heterogêneo dos tumores. Praticamente cada tipo de câncer tem algum biomarcador associado. Por exemplo, no câncer de próstata, já mencionamos o PSA como marcador sanguíneo utilizado tanto no rastreamento/diagnóstico inicial quanto no acompanhamento após tratamento – ele tende a subir novamente em caso de recidiva do tumor?. No câncer de mama, além do status HER2 já discutido, outros biomarcadores importantes incluem os receptores hormonais (estrogênio e progesterona) nas células tumorais, que indicam se a paciente provavelmente responderá a terapias hormonais. Em melanoma (um tipo agressivo de câncer de pele), cerca de metade dos casos apresentam mutação no gene BRAF (V600E), a qual passou a ser utilizada como biomarcador: melanomas com essa mutação podem ser tratados com medicamentos específicos (inibidores de BRAF), que melhoram significativamente o prognóstico?. Já em câncer de pulmão de não pequenas células, biomarcadores genéticos como mutações nos genes EGFR, ALK ou ROS1 definem subgrupos de pacientes que se beneficiam de terapias-alvo orais bastante eficazes, mudando o curso da doença. Existem também biomarcadores utilizados de forma mais geral, por exemplo, a expressão da proteína PD-L1 no tumor – que ajuda a prever a resposta à imunoterapia com inibidores de checkpoint em vários tipos de câncer. Por fim, vale citar que alguns biomarcadores servem para detecção precoce de câncer: dosagem de alfafetoproteína (AFP) no sangue pode sugerir câncer de fígado, CA-125 é usado no acompanhamento de câncer de ovário, e assim por diante. O impacto cumulativo de todos esses biomarcadores é enorme: eles permitem personalizar o tratamento oncológico (selecionando a terapia de acordo com o perfil do tumor), evitam tratamentos inúteis em certos pacientes, e também servem de critérios objetivos para avaliar se um câncer está regredindo ou progredindo sob determinada intervenção.

Biomarcadores de doença vs. biomarcadores de fármacos

Uma distinção importante a se fazer é entre biomarcadores relacionados a doenças e biomarcadores relacionados a fármacos. Embora possa haver sobreposição (afinal, tudo está interligado ao paciente), essa divisão ajuda a entender melhor o propósito de cada tipo de marcador.

  • Os biomarcadores de doença são aqueles que informam sobre a presença, gravidade ou curso de uma enfermidade em si, independentemente de qualquer tratamento. Incluem os biomarcadores diagnósticos, prognósticos, de suscetibilidade e de monitoramento mencionados antes. Basicamente, dizem respeito ao processo da doença: por exemplo, nível de glicemia indicando diabetes, placas de amiloide indicando Alzheimer, autoanticorpos indicando doença autoimune, etc.

  • Já os biomarcadores de fármacos (também chamados de biomarcadores farmacológicos ou terapêuticos) estão ligados à resposta do organismo a uma intervenção médica – normalmente um medicamento, mas poderia ser também uma terapia não-farmacológica. Esse grupo engloba os biomarcadores preditivos, farmacodinâmicos e de segurança. Em outras palavras, dizem respeito à interação com o tratamento: por exemplo, um biomarcador preditivo como o HER2 indicando se um certo fármaco será eficaz, ou um biomarcador de segurança como a elevação de enzimas hepáticas indicando toxicidade de um remédio.

Em termos práticos, quando falamos em “biomarcador de doença”, pensamos em indicadores usados para diagnosticar ou acompanhar uma doença (como PSA para câncer de próstata ou carga viral de HIV para acompanhar a infecção); quando falamos em “biomarcador de fármaco”, pensamos em indicadores usados para guiar o uso de um medicamento (como um teste genético que mostra se a pessoa metaboliza certa droga rapidamente ou lentamente).

Esses últimos têm ganhado muita atenção com o avanço da farmacogenômica – área que estuda como as diferenças genéticas influenciam a resposta a medicamentos. Por exemplo, variantes em genes do metabolismo podem fazer com que um paciente quebre um remédio muito depressa (não tendo efeito) ou devagar demais (tendo mais efeitos colaterais). Assim, esse perfil genético funciona como um biomarcador para ajustar a dose do fármaco ou escolher outra opção. Em resumo: biomarcadores de doença nos dizem “O que está acontecendo com o paciente em relação à doença?”, enquanto biomarcadores de fármacos nos dizem “Como o paciente provavelmente reagirá a um determinado tratamento?”.

Vale ressaltar que os biomarcadores de fármacos, especialmente os genéticos, têm aplicações valiosas como identificar antecipadamente quem vai responder ou não a um tratamento, evitar eventos adversos graves e ajudar a definir a dose ideal de um medicamento para cada indivíduo?. Por exemplo, antes de prescrever o abacavir (um antirretroviral para HIV), recomenda-se testar o HLA-B57:01 do paciente – pessoas com esse alelo apresentam alto risco de uma reação alérgica séria ao abacavir, logo esse teste genético é um biomarcador de segurança e previsão de resposta. Apenas pacientes HLA-B57:01 negativos devem usar o medicamento. Da mesma forma, em alguns cânceres só se usa certo tratamento se o tumor apresentar um biomarcador específico (como já discutido, ex.: mutação EGFR ou ALK no câncer de pulmão para receber certas drogas alvo). Esses são biomarcadores preditivos guiando terapêutica, ou seja, biomarcadores de fármacos. Em suma, embora intimamente relacionados, há um enfoque distinto: uns focalizados na doença, outros focalizados em como tratá-la.

Novas ferramentas prometem acelerar o processo de descoberta de fármacos -  Notícias - Jornal da Unicamp

Fonte: Jornal da Unicamp.

Impacto dos biomarcadores no desenvolvimento de novos medicamentos

O desenvolvimento de um novo medicamento é um processo longo, caro e repleto de incertezas. Tradicionalmente, muitas drogas promissoras falhavam nos testes finais, pois descobria-se tardiamente que não eram eficazes em todos ou tinham efeitos tóxicos inesperados. Os biomarcadores estão ajudando a mudar esse cenário. Desde as etapas iniciais de pesquisa até os estudos clínicos em humanos, eles fornecem informações valiosas que aceleram e aprimoram a tomada de decisões.

Na fase de descoberta e pesquisa pré-clínica, cientistas utilizam biomarcadores para entender a biologia da doença e identificar potenciais alvos terapêuticos. Por exemplo, ao analisar tecidos de pacientes e notar que certa via molecular está sempre alterada numa doença, essa molécula alterada funciona tanto como biomarcador da doença quanto como um possível alvo para uma nova droga. Foi assim que muitos medicamentos oncológicos modernos surgiram: identificou-se um biomarcador genético (uma mutação driver no tumor) e, em seguida, desenvolveu-se um fármaco específico contra células com aquela mutação.

Durante o desenvolvimento clínico (testes em pacientes), os biomarcadores podem atuar como critérios de seleção – escolhendo participantes mais propensos a demonstrar o efeito do remédio – e como endpoints intermediários nos estudos. Isso significa que, ao invés de esperar anos pelos desfechos definitivos (como sobrevivência ou cura), os pesquisadores medem biomarcadores que refletem o mecanismo de ação do fármaco ou seu impacto inicial na doença. Se o biomarcador se mover na direção esperada, é um sinal de que o tratamento está no caminho certo. Assim, decisões de prosseguir ou ajustar um estudo podem ser tomadas mais rapidamente. Por exemplo, em um ensaio de medicamento para osteoporose, em poucos meses pode-se medir um biomarcador ósseo no sangue indicando aumento da formação óssea, em vez de aguardar anos para ver redução de fraturas – se o biomarcador não melhorar, o estudo pode ser interrompido precocemente.

Do ponto de vista regulatório, agências como a FDA e EMA têm programas de qualificação de biomarcadores para uso em desenvolvimento de medicamentos?. Quando um biomarcador é formalmente validado (qualificado), ele pode ser utilizado em diversos projetos de fármacos como um parâmetro confiável, pois há evidências de que prediz algo relevante. Isso reduz a incerteza nas decisões durante o desenvolvimento. Por exemplo, a carga viral do HIV foi qualificada como biomarcador substituto: hoje, para aprovar um novo antirretroviral, não é obrigatório mostrar redução na mortalidade dos pacientes (o que demoraria anos); basta demonstrar que a droga reduz a carga viral no sangue significativamente, pois sabe-se que isso antecipa os benefícios clínicos.

Outra contribuição dos biomarcadores é na diminuição de custos. Ensaios clínicos menores, direcionados apenas a quem tem determinado biomarcador, tendem a gastar menos recursos e ainda assim mostrar resultados claros. Além disso, biomarcadores de segurança permitem identificar logo no início problemas de toxicidade, evitando investir fortunas em um composto que depois seria descartado por causar danos. Estima-se que ao longo dos últimos 15–20 anos, o aumento do uso de biomarcadores em ensaios (especialmente em oncologia) tenha contribuído para uma maior taxa de sucesso na aprovação de novos medicamentos?. Nos anos 2000, apenas ~5% dos novos medicamentos aprovados pela FDA vinham acompanhados de algum biomarcador ou teste genético recomendado em bula; hoje, essa proporção já supera 40%?, principalmente devido aos avanços na área de câncer. Isso reflete que os medicamentos modernos já nascem mais “personalizados”, voltados a subpopulações definidas por biomarcadores.

Em suma, os biomarcadores estão revolucionando a forma de criar medicamentos: diminuem o “tiro no escuro” ao definir doses e públicos-alvo, permitem monitorar eficácias e riscos de perto, e aumentam muito as chances de uma ideia promissora se converter em um tratamento aprovado que beneficie os pacientes. Com isso, ganham todos – a indústria reduz perdas, os pesquisadores entendem melhor os resultados, os reguladores têm mais segurança para aprovar, e os pacientes recebem terapias mais eficazes e seguras.

Biomarcadores genômicos e a importância na farmacogenômica

Quando falamos em biomarcadores genômicos, nos referimos a informações contidas no material genético (DNA ou RNA) de uma pessoa que podem servir de indicadores biológicos. Isso inclui variações em genes, níveis de expressão gênica ou até características de regulacão dos genes. Se uma determinada assinatura genômica estiver correlacionada com a presença de uma doença, com o risco de desenvolvê-la ou com a resposta a um medicamento, então ela é um biomarcador genômico útil. A farmacogenômica, por sua vez, é a área que estuda como os genes de um indivíduo influenciam sua resposta a medicamentos – englobando aspectos de eficácia e segurança. Portanto, muitos biomarcadores genômicos são justamente fatores que a farmacogenômica investiga para personalizar tratamentos conforme o perfil genético.

Na prática, os biomarcadores genômicos mais comuns são polimorfismos genéticos (diferenças na sequência do DNA entre indivíduos) que alteram a susceptibilidade a doenças ou a forma como metabolizamos fármacos. Por exemplo, existe um gene no fígado, o CYP2D6, responsável por metabolizar diversos remédios. Algumas pessoas herdam variantes do CYP2D6 que o tornam ultra-rápido; outras, variantes que o tornam muito lento. Isso afeta drasticamente os níveis do medicamento no sangue e, consequentemente, o efeito terapêutico ou colateral. Assim, o genótipo de CYP2D6 de um paciente é um biomarcador genômico importante para certos medicamentos – como a codeína (que pode não fazer efeito em metabolizadores ultrarrápidos, ou causar toxicidade em metabolizadores lentos). O mesmo vale para o gene CYP2C9 e a proteína alvo VKORC1 no caso do anticoagulante varfarina: variantes nesses genes influenciam a dose de varfarina necessária para cada pessoa, e testes genéticos auxiliam médicos a ajustarem a dose de forma mais precisa e segura?.

Muitos medicamentos já vêm com recomendações genômicas na bula. Nos EUA, por exemplo, há mais de 150 fármacos aprovados contendo informações de biomarcadores genéticos em seus rótulos (indicações de testes ou precauções conforme o genótipo)?. Esses biomarcadores genômicos abrangem várias especialidades – desde psiquiatria (testes para enzimas hepáticas que metabolizam antidepressivos) até gastroenterologia, mas sobretudo em oncologia e doenças raras. Em oncologia, praticamente todos os novos medicamentos exigem testar alguma mutação no tumor antes do uso. Já em outras áreas, a indicação de testes pode ser opcional, mas é fornecida para ajudar na decisão médica.

Para entender a importância, vejamos alguns exemplos de biomarcadores genômicos em ação:

  • Em farmacogenética de segurança, um caso notório é o já citado HLA-B*57:01. Portadores desse alelo HLA têm alto risco de desenvolver uma reação de hipersensibilidade grave se expostos ao medicamento abacavir (usado no tratamento de HIV). Portanto, testar o HLA-B*57:01 antes de prescrever abacavir se tornou padrão – somente pacientes com teste negativo recebem o fármaco, praticamente eliminando esse efeito adverso potencialmente fatal.

  • No campo oncológico, um exemplo claro é a mutação BRAF V600E no melanoma metastático. Trata-se de um biomarcador genômico preditivo: se o tumor do paciente carrega essa mutação específica no gene BRAF, há indicação para usar uma terapia alvo chamada vemurafenibe (um inibidor de BRAF). Estudos mostraram que pacientes com melanoma BRAF V600E+ respondem muito bem a esse tratamento, enquanto aqueles sem a mutação não obtêm benefício?. Logo, testar o gene BRAF no melanoma é essencial para guiar a terapêutica.

  • Em farmacogenômica de dose/eficácia, além do exemplo da varfarina (CYP2C9/VKORC1) já mencionado, podemos citar o caso do antiepiléptico carbamazepina em pessoas de origem asiática. Nelas, a presença do alelo HLA-B*15:02 é um biomarcador genômico que indica alto risco de síndrome de Stevens-Johnson (uma reação dermatológica grave) se expostas à carbamazepina. Por isso, recomenda-se teste genético desse alelo em populações de risco antes de usar o medicamento – uma medida preventiva que salva vidas.

Esses exemplos demonstram como informações contidas no DNA podem ditar decisões médicas: qual remédio dar, em que dose, ou se é melhor evitar certo fármaco devido ao risco. A farmacogenômica está tornando realidade o conceito de “medicação sob medida”, onde o tratamento é adaptado ao genoma do paciente. Em hospitais de ponta e centros de referência, já é comum ter painéis genéticos que testam dezenas de variantes farmacogenéticas de uma vez, facilitando ao clínico a seleção de medicamentos ideais.

No futuro, espera-se que praticamente todos os pacientes tenham seu perfil genômico considerado ao se prescreverem terapias – não só em oncologia, mas em diversas áreas. Isso aumentará a eficácia dos tratamentos e reduzirá eventos adversos, pois muitos dos erros de tentativa e erro na prescrição serão evitados. Entretanto, essa nova era da medicina personalizada traz também desafios importantes, principalmente no campo ético e de privacidade.

Considerações éticas na coleta de amostras genéticas em pesquisas

A coleta e utilização de amostras genéticas (como sangue para DNA, saliva, etc.) em pesquisas científicas trazem enormes oportunidades de avanço, mas também levanta questões éticas delicadas. É fundamental garantir que o progresso científico ocorra em equilíbrio com o respeito aos direitos e à privacidade dos participantes do estudo. Aqui estão alguns pontos-chave a considerar:

  • Consentimento informado e privacidade: Antes de coletar qualquer amostra genética, os pesquisadores devem obter um consentimento informado claro do participante. Isso significa explicar de forma acessível o que será feito com a amostra, quais testes genéticos poderão ser realizados, e quais são os possíveis riscos. O indivíduo precisa concordar livremente, ciente de que pode desistir a qualquer momento. Além disso, uma vez coletados, os dados genéticos devem ser mantidos sob estrita confidencialidade, protegidos de acessos não autorizados. Informações genéticas são consideradas dados sensíveis, pois podem revelar predisposições a doenças e outros traços pessoais; portanto, proteger a privacidade é imprescindível para evitar que caiam em mãos erradas?.

  • Risco de discriminação genética: Um temor válido é que informações genéticas possam ser usadas para discriminar pessoas – por exemplo, um empregador ou seguradora de saúde descobrindo que um indivíduo tem risco elevado de certa doença poderia tratá-lo injustamente. Embora existam leis em alguns países que proíbam discriminação com base em dados genéticos, a preocupação permanece. Por isso, os estudos devem adotar medidas para anonimizar ou pseudonimizar as amostras (ou seja, desvinculá-las da identidade do doador o máximo possível). Assim, mesmo que resultados genéticos sejam publicados ou compartilhados entre pesquisadores, não será possível associá-los a um participante específico. Garantir que os participantes não sofram consequências negativas por contribuir com a pesquisa é um princípio ético fundamental?.

  • Uso futuro das amostras e propriedade dos dados: Uma vez coletada a amostra genética, surge a questão: ela poderá ser usada em estudos futuros? Por quanto tempo será armazenada? Quem “possui” essa amostra e os dados derivados dela? Muitos estudos hoje pedem consentimento para uso amplo da amostra, incluindo pesquisas futuras relacionadas. No entanto, alguns participantes podem não se sentir confortáveis com usos não especificados inicialmente. É ético, por exemplo, usar DNA coletado para um estudo de câncer em um outro estudo sobre doenças psiquiátricas sem novo consentimento? Para lidar com isso, pesquisadores e comitês de ética têm adotado práticas como consentimentos por camadas (a pessoa escolhe com que tipos de pesquisa futura concorda) ou consentimento dinâmico (os participantes podem ser recontatados para aprovar novos usos conforme eles surjam)?. Em qualquer caso, transparência é crucial: os doadores devem saber se suas amostras serão armazenadas em biobancos e ter a opção de retirar consentimento no futuro se assim desejarem.

  • Considerações culturais e coletivas: A genética tem implicações não só individuais, mas também familiares e até populacionais. Por exemplo, se um estudo identifica uma variante genética mais prevalente em determinada etnia associada a um risco de doença, isso pode potencialmente estigmatizar aquele grupo se a informação for mal interpretada. Comunidades indígenas e outros grupos vulneráveis historicamente têm preocupações adicionais, pois no passado houve casos de uso de suas amostras sem consentimento adequado ou sem retorno de benefícios. Portanto, em pesquisas genéticas com grupos específicos, é recomendado envolver representantes da comunidade no processo, respeitar crenças culturais relativas a material biológico e discutir antecipadamente como os resultados serão comunicados para não gerar danos coletivos.

  • Retorno de resultados e aconselhamento genético: Outro dilema ético é se os pesquisadores devem devolver aos participantes os resultados individuais encontrados. Por exemplo, se ao sequenciar o genoma de um voluntário a pesquisa descobre acidentalmente uma mutação que predispõe a uma doença grave, essa pessoa deve ser informada? Por um lado, há o dever de beneficência (poder alertar para que a pessoa tome medidas de saúde); por outro, o estudo pode não ter sido desenhado para oferecer serviço clínico, e a descoberta pode gerar ansiedade ou impacto psicológico (psicossocial) ao participante?. Muitos protocolos atuais estabelecem previamente se haverá ou não retorno de resultados, normalmente limitando-se a achados genéticos clinicamente acionáveis (isto é, para os quais há algo que se possa fazer, como uma prevenção). Nesses casos, é preciso oferecer aconselhamento genético apropriado – um profissional qualificado para explicar o resultado e orientar o participante sobre as opções, evitando mal-entendidos ou decisões precipitadas.

     

Em conclusão, ética e genética andam de mãos dadas. Pesquisadores têm a responsabilidade de tratar as amostras genéticas com o máximo respeito, como fariam com o próprio paciente. Isso inclui garantir consentimento livre, proteger os dados contra vazamentos, evitar qualquer forma de exploração ou discriminação, e ser transparente quanto aos propósitos da pesquisa. Ao mesmo tempo, a sociedade e os órgãos reguladores precisam continuar atentos e atualizando diretrizes, acompanhando o rápido progresso tecnológico (como testes de DNA cada vez mais acessíveis, big data genômico, etc.). Somente assim poderemos colher os frutos dos biomarcadores genômicos e da medicina personalizada sem comprometer os direitos e a confiança dos indivíduos que, generosamente, cedem um pedaço de si em prol do conhecimento científico.

Conclusão

Os biomarcadores transformaram a maneira como entendemos e abordamos as doenças. Desde um simples exame de sangue que diagnostica precocemente um problema, até sequenciamentos genéticos sofisticados que guiam terapias sob medida, esses indicadores fornecem um mapa biológico valioso para médicos, pesquisadores e pacientes. Na medicina personalizada, os biomarcadores são a bússola que aponta o tratamento certo para a pessoa certa; na pesquisa científica, encurtam caminhos e aumentam as chances de sucesso de novos medicamentos; e na saúde pública, abrem portas para prevenção mais eficiente e detecção precoce de inúmeras condições.

É importante lembrar, entretanto, que nenhum biomarcador é perfeito por si só. A informação proporcionada por ele deve ser interpretada dentro de um contexto clínico mais amplo, combinando com a avaliação médica tradicional e outros dados do paciente. Além disso, conforme avançamos para uma era de big data e testes múltiplos, surgem desafios de reprodutibilidade e riscos de achados falsos positivos – é preciso rigor científico para validar cada biomarcador antes de adotá-lo rotineiramente.

Ainda assim, o futuro é promissor. Novos biomarcadores estão emergindo a cada ano – especialmente com técnicas modernas de genômica, proteômica e outras “ômicas” – tornando possível decifrar doenças complexas como nunca antes. Imagine poder prever Alzheimer décadas antes dos sintomas, ou ajustar um tratamento de câncer em tempo real conforme marcadores no sangue indicam resposta. Tudo isso está se tornando realidade graças à pesquisa em biomarcadores.

Se aliados a uma prática ética sólida e a políticas públicas que garantam acesso equitativo às inovações, os biomarcadores continuarão a impulsionar a revolução da medicina no século XXI. Cada pequeno indicador biológico descoberto é uma peça a mais no quebra-cabeça da vida, aproximando-nos de um cuidado em saúde mais eficaz, humano e personalizado.

Fonte: Nature; Science; The Lancet; JAMA; New England Journal of Medicine; PubMed; FDA; NIH; WHO.

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